Estávamos nas últimas semanas do ano de 1994 e como de costume, sábado de manhã, fui em uma das locadoras que eu frequentava para alugar um cartucho para o fim de semana. Eu gostava de variar um pouco as locadoras pois sempre acabava descobrindo algum título que não conhecia. Um hobby honesto para um garoto de 11 anos né? Então, eis que vejo o dono da locadora fixando um cartaz bem grande com o logo do dragão do Mortal Kombat na parede:

Primeiro campeonato “interlocadoras” de Mortal Kombat II.

Uau! Como assim??? Um campeonato??? Fiquei o final de semana todo pensando em como seria isso, eu nunca tinha visto um campeonato de perto, muito menos participado de um. Na minha cabeça, a coisa era grandiosa como naquela filme O Gênio do Vídeo Game (The Wizard).

Na segunda-feira retornei à locadora com meu pai para devolver o cartucho alugado e inevitavelmente ele viu o cartaz e disse: E aí? Você viu o que vai ter aqui?

Eu então respondi: Não, o que é?

É lóoooogico que eu tinha visto, fiquei o fim de semana inteiro pensando naquilo!!!!

Mas não quis levantar muita expectativa, não sabia qual seria a reação do meu pai com relação a um campeonato. Videogames e RPGs não tinham uma boa fama nos anos 90. Então continuei: “Não sei se devo participar, se fosse o Mortal 1 (Mortal Kombat) eu até iria”. Eu tinha o cartucho e dominava tudo e mais um pouco, mas o Mortal II era um lançamento recente e ele expandiu muito a jogabilidade em comparação com o anterior, sem contar que eu havia jogado pouco. E ficou por isso mesmo nosso papo sobre o campeonato.

Alguns dias depois, ele me disse: tem o filho de um amigo meu que joga bem pra caramba o Mortal II, quer que eu chame ele para vocês treinarem? Eu com um certo ar de desconfiança misturado com empolgação disse que SIMMMM! Nas próximas semanas, como qualquer outra criança empolgada não parava de repetir a pergunta:

Pai! Falou com seu amigo? É esse fim de semana que o filho dele vai vir?

Finalmente quando este dia chegou, ao conhecer o garoto, aquela sensação de estranheza veio na cabeça, ele não parecia em nada com a aparência que eu imaginei para ele. HAHAHA Papo de louco né? Mas duvido que vocês nunca tiveram essa sensação! Bom, ele era mais velho, usava óculos, era magrelão e cara…

Trouxe seu próprio controle num estojinho com uma flanelinha para limpar depois de usar. Se aquilo não era ser jogador profissional, NADA MAIS ERA! Ele também trouxe o cartucho original dele do Mortal Kombat II, na caixinha! Lindo demais!

Durante a minha empolgação de receber uma visita dessas e ganhar um aula de Videogame, com certeza devo ter comentado com o pessoal da rua e mais alguns colegas da escola, então, no dia, haviam uns 10 garotos em casa e entre uma churrascada, um pulo na piscina, um futebol na rua, rolou muita porradaria no Mortal! Realmente o garoto nos ensinou alguns macetes, algumas apelações e pudemos então fazer o nosso próprio campeonato de MK II. Desenhamos as chaves do campeonato de diversas formas: por pontos, mata-mata, eliminatórias e tudo isso ficou anotado no meu caderno de Passwords.

Na segunda-feira seguinte fomos eu e os colegas da escola fazer a tal da inscrição do campeonato que já era logo no próximo fim de semana: o ultimo das férias de janeiro! Pagamos 2,50 que era o preço de uma locação e logo veio aquela “ficha de inscrição” que o pessoal imprime várias numa folha e corta com a régua? Cheio das rebarbas?  Nome, Endereço, telefone, etc. Pronto! devidamente inscrito!

Leia também

Chegou o grande dia!

A locadora ficava numa casa construída no fundo do terreno, então sobrava uma garagem aberta bem grande, um corredorzão pra chegar lá, e este, as nove da manhã do dia marcado, já estava tomado de garotos para se digladiar em buscar do título de campeão do torneio de  Mortal Kombat II. Devia ter umas 70 crianças lá!

Fui com mais 3 garotos da escola, entramos juntos para dar coragem! Neste longo caminho até a porta da locadora todos os competidores se olhavam, se encaravam e se estudavam… Era igual aquela lenta caminhada para bater um pênalti na final de um campeonato.

Droga! Aqueles caras da 8ª estavam lá! – Eles tinham aquela pinta de Bad Boy da época: camiseta sem manga, cabelo arrepiado, todos com suas bikes cross cromadas com rotores e pés de apoio de manobra, as famosas “Lightinhas” –  e esses caras eram conhecidos pelo bulling com os mais novos.

Mas eu conhecia um deles, dá locadora mesmo, era o cara do Sega CDX.

  • E aí cara! tudo bem? Veio jogar também? – eu perguntei.
  • Uma pena ser no Snes, a pior versão! – Disse ele!
  • Ah eh? Eu gosto! Qual você gosta mais? – Perguntei.
  • A de 32x cara! Parece do Fliperama! – ele respondeu.

Continuamos nossa jornada e logo começamos a jogar. A primeira fase eram algumas rodadas para obter pontuação e os melhores fariam a chave das oitavas de final. Eu estava confiante! Tinha aprendido algumas apelações e treinado bastante… Então, na minha primeira luta, tomei um surra que nem consegui me mexer! Nas próximas eu fui melhorando, ganhei algumas, e devo ter perdido mais uma.

Etapa finalizada… Ficamos batendo um papo com a galera na garagem enquanto a impressora matricial cuspia aquela lista dos classificados, e as chaves do campeonato no formulário contínuo. Eeeeeeeeeeeee, meus amigos classificaram…. ai meu Deus… cadê… Ufa!.. Lá estava eu… Na raspa do tacho… Entre os últimos mas estava classificado!

Fomos comer um pastel e tomar uma Coca “ks” enquanto discutíamos as estratégias para a segunda rodada. Tínhamos observado muitas lutas e conseguimos identificar quem eram os jogadores mais “retranqueiros”, os que mais repetiam as apelações e fomos dando conselhos um para os outros de deus oponentes baseado na chave que acabara de ser impressa.

As finais!

Duas e meia da tarde… hora do início da segunda etapa, e voltando lá, percebemos que os 4 Super Nes da etapa anterior deram lugar a apenas um, mas ligado em um projetor! Agora todos acompanhavam as lutas! Não demorou muito e foi minha vez! Ganhei com uma certa facilidade e fui progredindo até as semifinais. Meus amigos haviam perdido nas quartas de finais.

E chegou a minha vez de novo…

  • Round 1: tomei uma surra homérica! mal me mexi.
  • Round 2: Fui retranqueiro demais, só ataquei no contra, segurei até o tempo acabar e ganhei com uma diferença mínima na barra de sangue…
  • Round 3: Caí de cara no combo apelativo e perdi cerca de 70% do life! Droga! Mas continuei na retranca. Entrava um soco, uma voadora, uma magia…E meu oponente? Puto! E eu? Muito nervoso… E foi assim, se estendendo até que estávamos parelhos, um risquinho de vida e já era! Então parti pro ataque e acertei um golpe, mas ele defendeu, me atacou e ainda finalizou com Fatality! Droga!

Não lembro bem da luta pelo terceiro lugar e nem se eu ganhei ou perdi, mas lembro que me rendeu duas locações gratuitas como prêmio. E era assim senhores, uma partida ranqueada nos anos 90! Foi meu primeiro, e único, campeonato!