Eu nunca fui muito fã de roguelikes. Sempre achei frustrante perder o progresso depois de uma derrota e começar tudo de novo. Mas tudo mudou quando joguei Dead Cells. Foi ali que percebi que morrer, nesses jogos, não é o fim — é parte da curva de aprendizado. Desde então, passei a enxergar o gênero com outros olhos.

É raro encontrar um jogo que consiga transformar o simples ato de sobreviver em algo tão intenso quanto BloodRush: Undying Wish. Criado pelo estúdio Lightmancer Studios, em parceria com a publisher Nuntius Games, o título mergulha fundo na essência da ação gótica e do desafio constante. Em vez de te convidar a respirar, ele te força a lutar por cada segundo — e por cada gota de sangue.
O coração que pulsa e sangra

O conceito central de BloodRush é brilhante em sua crueldade: o jogador está sempre morrendo. Literalmente. O protagonista sangra continuamente após sofrer dano, e o único jeito de estancar essa perda é partindo para cima, derrotando inimigos e recuperando vida através de execuções. Essa ideia transforma o combate em uma corrida contra o relógio, uma batalha de ritmo onde hesitar é o mesmo que aceitar a morte.
Esse ciclo cria uma tensão deliciosa. Não há espaço para se esconder ou esperar o momento certo — a sobrevivência depende da agressividade. É preciso atacar, recarregar e atacar de novo. A mecânica lembra a filosofia de Bloodborne, mas com alma própria, traduzida em uma pixel art estilizada e melancólica.
Um roguelike que pune, mas recompensa
Em BloodRush: Undying Wish, a morte é inevitável, mas também é parte do aprendizado. Cada run é uma chance de dominar o sistema e descobrir novas combinações entre armas, talentos e “pecados” — modificadores que alteram o estilo de jogo com bônus e desvantagens. O progresso é parcialmente persistente: após cada queda, o jogador retorna ao hub, onde pode desbloquear aprimoramentos permanentes e expandir o leque de possibilidades.
Mesmo em Acesso Antecipado, o conteúdo impressiona. Há dezenas de talentos, múltiplas arenas, inimigos variados e chefes que exigem domínio total do sistema de combate. É um roguelike que não se contenta em apenas testar reflexos — ele também recompensa a experimentação e a ousadia.
Atmosfera e estilo: o peso do gótico em pixel art
Visualmente, BloodRush é uma obra de contraste. A direção de arte combina pixel art detalhada, paleta sombria e efeitos de luz dramáticos que reforçam a sensação de decadência. O mundo parece sufocado, sempre à beira do colapso — e a trilha sonora, repleta de batidas graves e ecos melancólicos, amplifica essa opressão.
É uma homenagem clara ao horror gótico e à ação estilizada, mas sem depender de referências diretas. BloodRush tem sua própria voz visual — suja, trágica e fascinante.
A brutalidade como aprendizado
O jogo ainda carrega algumas arestas, como bugs ocasionais e balanceamento desigual entre armas e talentos. No entanto, essas imperfeições são esperadas em um título que ainda está sendo lapidado. O estúdio já confirmou um roadmap robusto de atualizações, prometendo novas arenas, chefes e sistemas de progressão até 2026. O compromisso com a evolução é evidente.
Mas o que realmente prende o jogador é a sensação de domínio. A cada morte, você entende um pouco mais. A cada vitória, sente que conquistou algo real. É um ciclo de aprendizado e frustração que poucos jogos traduzem tão bem.
Veredito
BloodRush: Undying Wish é um daqueles indies que não pedem licença para entrar — ele invade, agride e desafia. Sua proposta é simples e cruel: sobreviver é atacar. Com um estilo visual marcante e uma jogabilidade que pulsa em ritmo de adrenalina, ele se destaca como uma das experiências mais intensas do cenário indie brasileiro recente.
Ainda há espaço para ajustes, claro. Mas se essa é apenas a “versão incompleta” do que virá, o futuro promete um dos roguelikes mais originais e brutais dos últimos anos.
